Tempos de Crise – Yasmin Andrade Almeida (Psicanalista SPRJ)

As primeiras reações diante de uma ameaça pandêmica à vida oscilam entre a negação onipotente e o comportamento de salve-se-quem-puder, levando multidões a estocar o que nem precisam, esvaziar recursos que julgam ser valiosos, desconsiderando a existência do outro e suas necessidades, em franco pânico predatório – ou seja, a realidade objetiva deixa de ser o Norte na bússola da tomada de decisões.

Depois do impacto inicial, as circunstâncias vão se apresentando tal como são, chamando atenção para o desconcertante e irrefutável fato de que nosso inimigo comum não escolhe vítimas por qualquer juízo de valor do ser humano civilizado. Seguindo sua natureza, sem nossa intervenção, ele acometerá 80% da população, dos quais 20% desenvolverão forma grave e serão hospitalizados, sendo 5% em UTI, culminando com a morte de quase metade destes. O desconhecimento e o medo são ingredientes facilmente manipuláveis, à mercê dos interesses de detentores do poder, aumentando a insegurança entre os diversos povos do globo terrestre. Cria-se, assim, uma névoa densa que atrapalha a visão lúcida da situação, que se mistura ao imaginário coletivo de desproteção.

Quando muitos se vêem igualados no desamparo, outro tipo de reação brota inusitadamente em múltiplos níveis. Ações altruístas, coordenadas ou em simples gestos individuais, passam a grassar entre as pessoas. Um microscópico vírus empurra a humanidade de seu pedestal narcísico e a desperta momentaneamente para a óbvia realidade: estamos todos no mesmo barco, e as melhores chances de sobrevivência sobrevêm quando o bem da coletividade é uma prioridade. Reconhecemos que do pó viemos e ao pó retornaremos, todos os seres vivos são feitos de matéria, somos vulneráveis e perecíveis.

Abre-se um clarão na visão, até então obscurecida, iluminando e orientando a direção a ser seguida. Sobreviver é lutar pela sobrevivência de todos. Essa atmosfera é, afinal, propícia ao fortalecimento da empatia, aproximando as pessoas afetivamente e redimensionando valores até então inquestionáveis. Compartilhar experiências e tornar-se presente na vida dos entes queridos, ainda que virtualmente, afugenta o terror paralisante e possibilita uma superação saudável no enfrentamento da crise.

Mas a imunidade chegará, e com ela a crise se vai. A reboque, também vai escoar a consciência de igualdade entre seres humanos. Com o vírus já domado, as ilusões de supremacia retomam seu lugar. A maioria volta à rotina prévia. Ainda que toda reflexão seja bem-vinda e deixe preciosas sementes, para a mudança de comportamentos tão arraigados talvez ainda sejam necessárias muitas outras crises.

(O material publicado é de responsabilidade única de seu autor)

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