O Vidro Fosco – Terezinha de Souza Agra Belmonte (Psicanalista SPRJ)

E de repente, num mundo super conectado aparece um vírus, cuja imagem tomográfica e topográfica é a de um vidro fosco.
A sociedade globalizada, individual, corporal e do código de barras vivencia uma pandemia. Será a era hikikomori?
Quanto tempo ficaremos isolados, dependentes da comunicação pela tecnologia, sem nos tocar? E esse bombardeamento de informações da mídia? Ela nos comunicando que o planeta está em isolamento social? Um vazio no cenário externo e que nos remete ao vazio existencial interno do cenário dos micros movimentos do psicosoma de vários sujeitos. O que colocar nesse lugar?
Como será a dança do vidro fosco?
As fronteiras fechadas indicam um término temporário ou permanente da globalização? Os macros movimentos externos, corpo mente, sem tempo para o contato das emoções de cada um dão lugar às angústias impensáveis de lidar com um inimigo. Ele e sua invisibilidade impedem a expressão da sensorialidade e nos torna psiquicamente afetados. O impacto, a negação, o medo, a ansiedade, a depressão, a reação aguda ao estresse, além da recidiva de transtornos mentais e agravamento das somáticas, que estavam até então, silenciosos eclodem. Teremos transtornos pós traumáticos?
O quadro clínico, na biomedicina é impreciso, pois, em estudos de casos, não existe padronização nos sinais e sintomas somáticos. Febre ou não? Tosse ou não? Gripe? Não. Afinal, como identificar a Covid- 19? Se estiver em duvida, faça quarentena. Isole-se no quarto e use a tecnologia para não surtar. Os micros movimentos internos e externos mudaram o cotidiano de cada um. Como se faz um improviso? Na dança contemporânea e nas outras artes é o ato criativo.
Vamos estudar o fenômeno hikikomori para nos ajudar a compreender o sofrimento psicológico advindo da combinação de isolamento físico e social.
Estamos no ano de 2020, no vidro fosco e que nos remete a cegueira do que estamos experimentando, há algum tempo. Uma explosão de um processo que identificamos e denunciamos. O caos desabrochou.
Os pesquisadores informam que esse agente inimigo pode confundir os promotores da saúde, na identificação do quadro clínico e radiológico, pois existem outros agentes infecciosos. A imagem geográfica terrestre é a de um baralho todo embaralhado e sitiado. Uma paralisação para nos relacionarmos com os micros movimentos internos e externos: o mundo interno. O objeto relacional é a mídia, além daqueles que ainda estão a nossa volta. A solidão da terceira idade se concretiza. Só dela?
A genealogia de doenças como essa, na nossa trajetória do humano na Terra está sendo revisado.
A mídia nos prepara para uma tragédia planetária. Um evento tão anunciado nos filmes produzidos pelas narrativas cinematográficas nas gerações pós guerra.
A qualidade de vida, o bem estar, a filosofia do wellness e suas dimensões: físico, emocional, social, ambiental, Intelectual, espiritual e ocupacional precisa ser usado dentro do espaço de cada um, num lar em que as gerações mais velhas não podem se comunicar com as mais novas. Esses acabam se sentindo culpados por serem assintomáticos e poder transmitir a doença.
O imaginário social é contagiado de forma trágica e a falta de estratégias concretas para enfrentar a problemática gera agonia.
O paradoxo: uma sociedade pós – moderna, sem tempo de espera, precisa respirar com uma doença que afeta a respiração.   O furor curandis do curar diante da impotência frente ao desconhecido consegue estabelecer metas para promoção à saúde, o cuidado.
A esperança é que, em setembro de 2020 teremos um novo estilo de vida e poderemos contar o numero de pessoas vivas, mataremos as saudades dos beijos e abraços daqueles com os quais estamos acostumados. Será o tempo para os rituais e cerimoniais de despedida dos que se foram sem um adeus.
Cuidados paliativos? Nesse momento estamos vivendo a sua essência dia após dia.
A Psicanálise tem como dispositivo intervir nos psicosomas afetados daqueles que se encontram isolados. Nossa comunidade esquece-se de seus afetos, no corpo máquina existencial. Esse instrumento permite acolher e acompanhar a angustia de pessoas e suas famílias, no corpo vivo de sujeitos e suas singularidades.
Temos um desafio: A Psicanálise on line, a beira do leito nos Centros de Tratamento Intensivo e nas outras Unidades do Hospital Geral para ajudar os cuidadores da saúde e os pacientes.
Enfim, que essa guerra termine logo e que sonhemos com a primavera, que o vidro fosco se dilua e que alcancemos essas cartas do baralho que numa nova dança planetária se desenhe com micro e macro movimentos internos e externos com um novo estilo existencial.

(O material publicado é de responsabilidade única de seu autor)

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